terça-feira, 15 de março de 2011

Os Juízes podem participar do processo de formulação (criação) de políticas públicas no Brasil?

Uma das questões mais relevantes, na conjuntura jurídica da sociedade brasileira, consiste na possibilidade, ou não, da função judicial do Poder Público determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas. Neste sentido o STF manifestou-se diversas vezes de forma favorável.[1]   
A idéia de implementação de políticas públicas por via judicial surge da necessidade de efetivação dos direitos e garantias fundamentais expressos no texto constitucional, isto é, a Constituição brasileira é complexa e pródiga em diversos assuntos, principalmente no que se refere aos direitos sociais e fundamentais. Para que as normas constitucionais não se tornem meras expectativas legais, ou projetos de uma sociedade ideal, a função judicial do Poder Público, por meio de decisões e interpretações conforme a Constituição, vem determinando ações políticas ao Estado, para criação de uma infraestrutura que dê suporte aos conceitos constitucionais.
Sob uma ótica clássica, os direitos fundamentais eram satisfeitos por meio de uma mera omissão do Estado. Com o desenvolvimento da sociedade, entretanto, tal conceito não mais bastou para o cumprimento das exigências supervenientes. Surgiram direitos que passaram a exigir uma atitude positiva por parte do Estado, o que atribui aos titulares de Direitos Fundamentais dois tipos de prerrogativas: liberdade e poder.
Os Direitos Fundamentais são dinâmicos e vivem em constantes transformações, e seu conteúdo varia de acordo com o momento histórico e com a cultura do povo que os consagrou.
Não é inovador afirmar que a Constituição brasileira é um projeto futurista e idealista de sociedade, ou seja, uma tendência de projetar o Direito para o futuro, daí o motivo de vários doutrinadores dizerem que boa parte do conteúdo constitucional é programático.
O grande problema é que temos uma Constituição, e boa parte das suas normas de conteúdo essencial para aquilo que a nossa sociedade entende ser Estado Democrático de Direito, não tem eficiência, nem ao menos é efetivada.
A crise de eficiência constitucional brasileira, ou a falta de efetividade mínima, deve-se à formação patrimonialista da sociedade brasileira, o que torna a efetivação dos conceitos de Ré-Pública (coisa pública) uma fantástica quimera.
Não é demais citar que a sociedade brasileira, em sua maioria, ainda é dominada por princípios tradicionais, e não racionais, isto é, em boa parte do país a presença da forma “coronelista”[2] de governo é forte. A sociedade brasileira ainda não superou efetivamente o “voto por cabresto”.
A sociedade brasileira sofre com uma função legislativa do Poder Público fragilizada pela corrupção, e que enfrenta diversas intervenções da função executiva, seja por meio de edições excessivas de medidas provisórias, o que controla a agenda do Congresso Nacional, seja pelo jogo de influencia na nomeação ministerial, ou corrupção direta dos senadores e deputados; sofre ainda com um executivo que está mais preocupado com a implementação de políticas secundárias, voltadas para a intervenção do Estado no domínio econômico-financeiro, que beneficiam grandes blocos empresariais, ao invés de implementar as famigeradas políticas públicas.  
Ante a ausência de Estado (Executivo) na implementação de políticas públicas essenciais, a sociedade brasileira remedia os diversos problemas advindos desta ausência, por meio da intervenção da função judicial, o que não resolve efetivamente o problema, até porque, ele é complexo, e prescinde de solução complexa.
Contudo, não se deve descartar a necessidade da intervenção judicial para a efetivação de conceitos constitucionais essenciais para a sociedade, porém, apenas permitir esta intervenção não resolverá a crise de eficiência constitucional, ou a inefetividade de políticas públicas. 

Por: José Felício Dutra Júnior. Advogado atuante no Distrito Federal, na área de Direito Administrativo. Especialista em Direito Constitucional Positivado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal – FESMPDFT.   


[1] RE 463.210 – AgR/SP, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime DJ 03.02.2006; RE 384.201 – AgR/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, unanime, DJe 03.8.2007; e, mais recente, o RE 600.419/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJe 28.9.2009.  
[2]    O coronelismo foi um sistema de poder político que vicejou na época da República Velha (1889-1930), caracterizado pelo enorme poder concentrado em mãos de um poderoso local, geralmente um grande proprietário, um dono de latifúndio, um fazendeiro ou um senhor de engenho próspero.
    A forma institucional deste sistema de poder político surgiu com a formação da Guarda Nacional, criada em 1831, como resultado da deposição de dom Pedro I, ocorrida em abril daquele ano. Inspirada na instituição francesa, forjada pelos acontecimentos de 1789, a "guarda burguesa" era uma milícia civil que representava o poder armado dos proprietários que passaram a patrulhar as ruas e estradas em substituição às forças tradicionais, derrubadas pelos revolucionários.

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